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Com regime tributário especial, criação de clubes-empresa deve crescer no País.

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Por Nícolas Pasinato

Em dezembro passado, uma notícia gerou grande repercussão no mundo dos negócios do futebol. O ex-atacante Ronaldo Nazário anunciou a compra do Cruzeiro pelo valor de R$ 400 milhões. O investimento o tornou acionista majoritário do clube, com 90% de suas ações. A agremiação mineira também se tornou a primeira do País a adotar o modelo de clube-empresa SAF (Sociedade Anônima do Futebol).

O sistema se refere à Lei nº 14.193/2021, vigente desde agosto do ano passado, que, entre outras coisas, possibilita aos clubes aderirem ao Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF). Com isso, o clube-empresa pagará impostos diferentes de associações civis sem fins lucrativos bem como de organizações pertencentes a outras atividades.

Esse regime prevê que, nos primeiros cinco anos, o clube-empresa pague 5% da sua receita bruta em um imposto único, o que substitui a cobrança do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Sobre Lucro Líquido (CSLL), PIS/Pasep e Cofins. Nessa fase inicial, o imposto não incide sobre a transferência de atletas. A partir do sexto ano, porém, o cenário muda. A alíquota sobre as receitas baixa para 4%, mas passa a englobar a venda dos direitos econômicos dos jogadores.

A tributação da SAF, portanto, acaba sendo menor do que a das empresas enquadradas nos regimes do Lucro Real ou Presumido. Importante lembrar que, antes da lei do clube-empresa entrar em vigor, os times de futebol já podiam adotar o modelo empresarial disponível na legislação brasileira. No entanto, a alta tributação, principalmente quando comparada ao que é cobrado das entidades sem fins lucrativos, acabava tornando esse caminho pouco atrativo. Na elite do futebol brasileiro masculino, por exemplo, somente Cuiabá e Red Bull Bragantino eram empresas formalmente antes da Lei nº 14.193/2021.

O Cuiabá, aliás, foi o primeiro clube da Série A a se tornar Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Conforme o vice-presidente do Dourado – como também é chamada agremiação – a questão fiscal foi a que mais pesou na hora de alterar o contrato social. “Vamos deixar de pagar uma série de impostos, o que deve melhorar muito a nossa condição financeira”, ressalta Cristiano Dresch.

Embora a tributação da SAF seja menor em relação a empresas de outras atividades, os times que optarem pela modalidade ainda precisarão competir com o formato de associação sem fins lucrativos – adotado pela maioria dos times atualmente – caracterizado por não pagar uma série de tributos, como o IRPJ, o CSLL e a Cofins, conforme detalha o coordenador da Câmara de Contadores do Instituto de Auditoria Independente do Brasil (Ibracon), Carlos Aragaki: “A tributação é de 5% das suas receitas em acordo antigo firmado com o INSS, além de pagarem 1% de PIS sobre a folha”.

Mesmo assim, a nova lei de clube-empresa prevê outros atrativos que podem fazer com que mais times se transformem em SAF, como a possibilidade de solicitarem recuperação judicial, negociando as dívidas na Justiça e a autorização para a emissão de títulos de dívida (debêntures-fut) como forma de financiamento para atrair investidores.

“Os clubes conseguem que suas dívidas sejam pagas pelo investidor com a transferência de 20% das receitas da SAF para as associações”, acrescenta Aragaki. O especialista informa ainda que, com a migração para sociedade anônima, os clubes já podem aderir ao Regime Centralizado de Execuções (RCE) das dívidas trabalhistas e cíveis com prazo de 10 anos para pagamento, desde que tenha pago, até o sexto ano, 60% do passivo com os credores.

Outra medida, de interesse especial aos clubes que já eram empresas antes da lei, é a autorização para captar recursos via Lei de Incentivo ao Esporte, ferramenta que permite o pagamento de menos imposto de pessoas jurídicas e pessoas físicas que patrocinem projetos esportivos.

“Essa possibilidade é muito interessante para o Cuiabá e para o investimento em nossa estrutura de categoria de base. Além da redução da carga tributária, agora poderemos captar recursos via LIE”, comemora o vice-presidente do Dourado.

Nova lei acelera movimento de transformar clubes em empresas

Desde a aprovação da Lei do Clube-Empresa, um volume maior de clubes entrou em contato com a consultoria Alvarez & Marsal em busca de apoio para a sua reestruturação financeira. A multinacional possui um setor que atua exclusivamente na área de esportes.

“O interesse cresceu muito. E não somente dos clubes, mas de diversos investidores – nacionais e internacionais – que se sentiram motivados a colocar o segmento em suas teses de investimento, coisa que não acontecia antes”, afirma o sócio-diretor da Alvarez & Marsal e líder da área A&M Sportainment, Leonardo Coelho.

A consultoria atua no sentido de oferecer um desenho de recuperação econômica aos times de futebol – seja de associações ou SAFs – e também auxilia na criação de novas formas de receitas que contribuam para o processo de reestruturação financeira dos clubes.

Coelho vê com otimismo a aprovação da nova lei que oferece condições para os clubes de futebol se tornarem empresas. “Em geral, foi uma lei muito discutida com diversos stakeholders envolvidos no mundo do futebol e com experiência financeira e, como resultado, oferece pano de fundo mínimo para a recuperação do futebol brasileiro a partir da atração de gente séria e com visão de investidor de longo prazo”, avalia.

A A&M Sportainment está com projetos em andamento em agremiações como o Cruzeiro, de Minas Gerais, o Coritiba, do Paraná, e o Figueirense, de Santa Catarina. “Os trabalhos já começam a render frutos e têm sido percebidos pelos demais clubes. Em especial, o modelo econômico-financeiro de curto e longo prazos, pautado por uma gestão de caixa e dívida bastante estrita, além de uma revisão fiscal completa”, detalha o executivo.

A consultoria prevê que o movimento de transformação de clubes em empresas no mercado do futebol brasileiro seja um caminho sem volta. “Em mercados mais maduros, como Espanha, Itália, Inglaterra, França, Alemanha e Portugal, já há diversas formas de clube-empresa. A vantagem que temos aqui é que em nenhum desses mercados se produz tantos craques quanto no nosso País. Logo, esse ambiente mais regulado proporcionado pela lei tem a potencialidade de colocar o futebol brasileiro, também sob o viés econômico, dentre os melhores do mundo no médio prazo”, pontua Coelho.

De acordo com estudo realizado pela consultoria EY, na primeira divisão das cinco maiores ligas do futebol europeu, 92% dos clubes são empresas, enquanto na segunda divisão esse percentual é de 96%. Com exceção da Inglaterra, os proprietários dos clubes são predominantemente empresários nacionais (58%) – com alguma ligação pessoal com o clube ou são empresários da região – enquanto 33% dos clubes constituídos como empresas são controlados por estrangeiros, sendo 44% investidores americanos ou chineses.

Cada país conta com estruturas e regras distintas. A Alemanha, por exemplo, criou limitação acionária para novos investidores. A Espanha, por sua vez, obrigou a migração dos clubes por meio de um Decreto Real – com exceção de Real Madrid, Barcelona, Bilbao e Osasuna. Já a Inglaterra exige, pela Premier League, um background check (checagem de antecedentes) para novos investidores.

Além dos já citados, outros grandes clubes do País como Botafogo, Athletico-PR, América-MG e Chapecoense caminham para se tornar sociedade anônima.

Sem gestão adequada, modelo SAF não é sinônimo de sucesso

Especialistas alertam que apenas transformar o clube em empresa não é o suficiente para obter uma boa gestão no futebol. Clubes importantes do futebol brasileiro, inclusive, já passaram por experiências negativas quando decidiram deixar a modalidade associativa.

“Temos dois exemplos que traduzem isso. O Figueirense se transformou em empresa muito antes da lei da SAF. O investimento não deu certo, houve briga com o investidor na justiça e o clube disputa a série C do Brasileiro. Já o Flamengo, que é associação, deve fechar os próximos balanços com receitas acima de R$ 1 bilhão, tem a dívida bem equalizada entre curto e longo prazo, possui capacidade de investimento e um plantel competitivo”, exemplifica o coordenador da Câmara de Contadores do Ibracon, Carlos Aragaki.

Para ele, a simples transformação de um time de futebol em empresa não basta. É necessário governança, que contemple um plano estratégico objetivo e realista. Outra regra de ouro citada é não gastar mais do que se arrecada e destinar parte das receitas para o serviço da dívida.

Conforme Aragaki, o que acaba pesando favoravelmente aos clubes-empresa é o fato de que as agremiações passam a ter dono com objetivo de obter resultados, ou seja, lucratividade. Ele acrescenta ainda que, contra o modelo associativo, reside a constante mudança de gestão, que pode barrar a continuidade de projetos vencedores.

Na mesma linha, o vice-presidente do Cuiabá, Cristiano Dresch, analisa que a gestão do futebol brasileiro ainda é envolvida por muita paixão, o que pode trazer prejuízos aos clubes. “Há ainda muitos dirigentes que fazem contratações somente para agradar a torcida. Quando um clube é tratado como um negócio visando lucros, é difícil ocorrer decisões desse tipo”, afirma.

Para Dresch, porém, não é a forma como o clube está enquadrado que irá determinar o seu sucesso ou não, como demonstra diferentes exemplos no País. Já o sócio-diretor da Alvarez & Marsal Leonardo Coelho acrescenta que há uma dificuldade adicional no âmbito político em associações que, teoricamente, são menos relevantes em SAFs, que se pautam mais fortemente pela ótica de performance econômica.

Sociedade Anônima do Futebol (SAF): o que estabelece a nova lei

Tributação: nos cinco primeiros anos, o clube paga imposto de 5% sobre a receita bruta, excluída a venda de jogadores. A partir do sexto ano, 4% da receita bruta total é tributada, incluindo a venda de atletas.

Receita: os times terão instrumentos para capitalização de recursos e para o financiamento próprio, como emissão de títulos de dívida (debêntures-fut); atração de fundos de investimento e lançamento de ações em bolsa de valores. Também autoriza a captação de recursos via Lei de Incentivo ao Esporte.

Dívidas: a nova lei autoriza, aos clubes, o parcelamento de suas dívidas, assim como a separação entre obrigações civis e trabalhistas, sem que sejam repassadas à nova empresa responsável por gerir a atividade futebolística.

Com relação às dívidas cíveis e trabalhistas, o texto dá um prazo total de dez anos (seis anos prorrogáveis por mais quatro) para que os clubes possam pagar os débitos e oferece alternativas para saná-los, como pagamento direto das dívidas pelo clube; recuperação judicial (negociação coletiva) e consórcio de credores.

Proibições: o investidor da SAF não poderá alterar a denominação, símbolos, hinos, cores e local da sede sem a concordância da agremiação.

Fonte: Jornal do Comércio – 19/01/2022

Fonte: ibracon.com.br


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