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Revisão por pares, uma resposta de excelência às demandas do mercado.

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Por Valdir Coscodai | Presidente do Ibracon – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou estudo referente à percepção dos auditores independentes sobre as exigências da Instrução 308/99, revogada pela Resolução 23/2021, ressalvando que se mantêm a obrigatoriedade da educação continuada para os profissionais e a revisão por pares dos trabalhos a cada quatro anos. As duas obrigações haviam sido incluídas entre as possíveis barreiras regulatórias que poderiam incentivar a concentração de mercado, em relatório produzido pela Controladoria Geral da União (CGU).

Em seu estudo, que foi uma resposta à CGU, a CVM destacou a relevância das duas exigências para a qualidade dos serviços, posição corroborada por 87% dos auditores entrevistados quanto à educação continuada e 73% no tocante à revisão pelos pares. Neste segundo quesito, o relatório também responde a uma indagação da CGU de que deveria existir, como nos Estados Unidos, um órgão responsável pela revisão dos trabalhos e não apenas a autorregulação.

Nesse aspecto, cabe observar que, dentre os 54 países membros do IFIAR (Fórum Internacional dos reguladores dos Auditores Independentes), o Brasil é um dos poucos que adotam exclusivamente a revisão por pares para firmas de auditoria que auditam empresas de capital aberto. O organismo multilateral mantém em seus princípios que a inspeção deve ser feita por profissionais que não tenham relação com empresas de auditoria. Porém, se compararmos as condições e estrutura de órgãos como a PCAOB, responsável norte-americana por esses controles, com a CVM, ficam nítidas as diferenças. Esta, além de responsabilidades semelhantes, tem competências mais abrangentes e um orçamento muito mais reduzido. Convertendo em reais os valores referentes ao exercício de 2021, observa-se o brutal contraste: R$ 277,13 milhões aqui, ante R$ 1,47 bilhão na entidade de Tio Sam, quase cinco vezes mais.

Ademais, mesmo com a existência de um órgão regulador, a revisão por pares é utilizada em várias nações, inclusive nos EUA e Reino Unido, para auditorias de empresas de capital fechado, com apoio dos órgãos de classe. No Brasil, a coordenação e supervisão da revisão externa ficam a cargo do Comitê Administrador do Programa de Revisão Externa de Qualidade (CRE), instituído e composto por quatro membros do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e quatro do Ibracon – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil. Cada profissional deve ser revisado ao menos uma vez a cada quatro anos e o CRE faz anualmente uma seleção aleatória, para que o exercício da avaliação não possa ser previsto pelo revisado. Este comitê é responsável por supervisionar os trabalhos feitos pelo auditor revisor, solicitar eventuais diligências, apresentar relatório anual das atividades e comunicar os órgãos reguladores, como a CVM, Banco Central e Superintendência de Seguros Privados (Susep) acerca dos resultados da revisão.

O CRE tem caráter independente e técnico. A norma vigente estabelece que o revisor deve possuir experiência técnica e recursos compatíveis para a realização da revisão, além de ser exigido o registro de auditor independente na CVM e não ter trabalho não aprovado na condição de revisado no CRE. É também requerido que mantenha a independência e confidencialidade e tenha expertise em trabalhos em entidades com atividades reguladas por órgãos reguladores.

Além disso, é esperada a participação dos reguladores nas reuniões de trabalho do CRE. Os representantes do Banco Central, CVM, Susep e Previc podem participar de todas as reuniões do comitê na condição de observadores. Os membros que compõem o CRE devem, obrigatoriamente, ser contadores no exercício da auditoria independente, devidamente registrados no Cadastro Nacional de Auditores Independentes (CNAI) e na CVM. Contam, ainda, com o apoio de uma assessoria especializada formada por contadores funcionários do CFC.

O último relatório do CRE é muito abrangente, contendo informações sobre o funcionamento do programa, etapas, número de horas investidas em reuniões e diligências, bem como dados relevantes referentes às empresas de auditoria revisoras e revisadas, listando quais apresentaram revisões “adequadas”, “adequadas com deficiências”, “inadequadas”, com “limitação de escopo” e “não adequadas”. Tal transparência, observada em poucos países, é muito relevante para o mercado de capitais, para o aumento da confiabilidade das informações e da sua transparência, garantindo que todos os públicos possam acessá-lo e compreendê-lo. Também é possível monitorar quais firmas de auditoria e/ou auditor independente necessitam de maior atenção quanto à qualidade dos relatórios apresentados, além das punições passíveis de órgãos reguladores.

Na última pesquisa anual realizada pelo IFIAR sobre os resultados das inspeções das empresas de auditoria realizadas por seus membros, participaram 50 membros. Dentre eles, 44 divulgam relatórios públicos sobre os resultados das inspeções, mas apenas 25% dentre os membros que publicam seus pareceres identificam os resultados individualmente por empresa de auditoria inspecionada.

A revisão, seja por pares ou por uma entidade independente, é um processo relevante para assegurar a qualidade dos serviços e uma oportunidade valiosa para que as firmas de auditoria revejam seus processos e mantenham o padrão de excelência. Claro que sempre há espaço para melhorias: no estudo divulgado pela CVM, muitos auditores que colaboraram com a análise apontaram oportunidade de aperfeiçoamento nos questionários de revisão no que se refere ao tamanho, complexidade e dificuldade de adaptação ao porte da empresa revisada. Tais avanços já estão no radar do CRE, que também deverá incorporar, no próximo ciclo, as mudanças propostas pelo IAASB (International Auditing and Assurance Standards Board), no que diz respeito às normas de qualidade ISQM, com previsão de implementação até o fim de 2022.

Os aspectos levantados pela CGU, todos relevantes, foram objeto de estudos e pesquisas, e continuarão sendo, uma vez que a auditoria está em constante desenvolvimento. Nesse sentido, o estudo da CVM reiterou a importância da educação continuada, necessária e fortemente apoiada pelos profissionais. Também enfatiza que o modelo brasileiro de revisão pelos pares destaca-se quando comparado a sistemas semelhantes de outras nações, podendo até mesmo servir como benchmark. No entanto, mantemos em nosso país o aperfeiçoamento sistemático da prática, que busca maior qualidade nos serviços de auditoria, é uma exigência dos stakeholders e um sinal de maturidade dos negócios. Nosso propósito é agregar cada vez mais confiabilidade ao mercado, a partir de processos com a devida publicidade e transparência, para que a sociedade possa acompanhar e exigir os níveis adequados de excelência.

Fonte: Jornal Folha Noroeste – 24/11/2021

Fonte: ibracon.com.br


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